Andando de patins, depois dos 30
Já comentei aqui que depois dos 30, muita coisa muda, outras nem tanto, em qualquer idade são iguais. Mas a fama dos 30 anos é tão forte que de repente você começa a fazer alguns testes para experimentar a idade. Assim me vi diante de uma loja que aluga patins, bicicletas, carrinho de rolimã (nem antes dos 30) e skate para diversão dos frequentadores de um parque. Fiz uma análise minuciosa da loja. Ponderei sobre limpeza do local, o visual despojado/largado/sujo do atendente entediado e do estado dos patins. Primeira lição! Depois dos 30, você se torna mais “ponderador” e higiênico, vamos falar sobre isso aqui. Da bolsa saquei o meu tubinho de álcool em gel e fui ando na parte do sofá que precisei sentar para calçar os patins com as rodinhas mais largas que encontrei. Um plástico foi enrolado nos meus pés, antes de calçar as meias que, obviamente, trouxe de casa.
Andava de patins no interior, na terra mesmo, porque asfalto e parques eram inexistentes na minha cidade. Vivia com os joelhos ralados dessas e de outras aventuras da época, mas era compensador a sensação de flutuar, ter o vento percorrendo livre o seu corpo sem impedimento. De não se importar com o estado do seu cabelo e roupas. De simplesmente se divertir sem precisar fazer nada mais do mexer as pernas. Apreciar o ambiente ao seu redor sem filtro, sem reservas. Poder esquecer por alguns instantes dos problemas da vida, na época uma nota baixa, hoje uma traição. Essa sensação não muda! Mesmo agora diante daquele espaço imenso e do cimento liso a minha frente, é como se estivesse de volta a minha cidade, de volta a minha infância. Obrigada, patins, por me proporcionar isso!
Eu voltei 20 anos no tempo, nos poucos segundos em que, hesitante, saí da loja e desci a rampa rumo ao parque. O local estava lotado, crianças no seu devido direito de brincar, adolescentes se divertindo, pais acompanhando e eu provando que SIM! É possível andar de patins depois dos 30. Acelerei o ritmo, ensaiei os, freei, e até andei de costas. Me senti novamente a criança feliz “catarrenta” e descabelada que fui. Fiquei rodopiando por meia hora, tempo que paguei pela experiência. Na próxima vez, pensei, vou ficar uma hora e vou trazer amigas para “brincarem” comigo.
Enquanto ponderava se elas iriam gostar ou não, senti o puxão, depois o desequilíbrio e vi o chão se aproximar lentamente. Vi o meu algoz, um palito de picolé ainda com aquele gelo azul de um sabor que ninguém sabe qual é, ando sorrateiramente pelas rodinhas. Tive tempo apenas de girar o corpo e evitar cair de frente (depois dos 30 você pensa mais rápido), quem viu deve rir até 2020, porque a cena foi constrangedoramente ridícula. Eu caí de bunda no chão, mas de um jeito que também bati os cotovelos, e a cabeça foi bruscamente para trás, como uma mola, chegando quase ao solo e voltando rapidamente ao tronco. Por um instante me vi rolando no chão como fazia há 20 anos. Depois tive vontade de ficar deitada ali me refazendo do susto ou esperando alguém vir me ajudar. Mas óbvio que isso não aconteceu.
Levantei rapidamente, sem ajuda. Ninguém me perguntou se eu estava bem, afinal, ninguém se importa, quem anda de patins está acostumado a cair e se levantar. Não havia poeira para bater e nem sangue para limpar. Tirei o meu patins mais rápido do que coloquei. Menos confiante caminhei até a loja. Mais feliz voltei pra casa, afinal provei que ainda consigo andar de patins e cair menos do que caía antigamente.
Mais tarde naquele mesmo dia… a felicidade deu lugar ao sofrimento. Fui aplacada pelas dores. E pelo amor de Deus como elas doem depois dos 30. O pescoço parecia que tinha sido torcido, do mesmo jeito que faço com as minhas blusas de malha. A minha bunda estava dormente e lembra daquele osso que achei que tivesse sumido entre as gorduras, latejava como um relógio em contagem regressiva. E os cotovelos? Ah!! Estavam inchados e absurdamente doloridos. Minha cabeça doía. Minha língua doía, porque na queda eu a mordi. Minhas coxas tremiam pelo esforço da patinação. Meus pés estavam, pasmem, inchados por terem ficado meia hora presos nos patins. O Dorflex que tomei ficou mais confuso que eu pra sair do Mercado Central diante de tanta dor para resolver. Não adianta ir ao médico, adianta? Certamente ele vai humilhar até a minha última geração. A melhor decisão é investir no líquido, remédio e descanso. Resolver o problema sozinha.
A questão é que depois dos 30, quase sempre você está sozinho. Seus problemas são apenas seus. As quedas não são sentidas de imediato. Você até resiste, briga e desdenha das “puxadas de tapete” que a vida te dá. Você persiste por uma, duas, três horas até que é atingido em cheio pelas consequências da queda. Se reerguer é difícil, mas afinal, você já tem 30, e a vida foi te preparando ano a ano para esse momento, uma queda de patins não é nada diante dos tombos da vida.
A coluna Depois dos 30 é publicada aqui toda quinta-feira. As opiniões e fatos não refletem necessariamente a opinião de todas as mulheres que já aram dos 30, mas sim a vivência das colunistas deste site.
Envie seu e-mail para a colunista: [email protected]
Ainda não fez 30, temos uma sessão especial para você! “Antes dos 30” e “Antes dos 30, com filhos“.